Mães que criam os filhos sozinhas

Papel de mãe e papel de pai. Muitas vezes a mãe (ou o pai) tem que assumir as duas funções. As dúvidas, o medo, a insegurança e a solidão podem encontrar aí espaço para entrar, mas a coragem e o amor podem superar tudo isso. Vida de Mãe vai discutir questões como, por exemplo, a decisão de ter um filho sem a presença do pai, as dificuldades da criação sem partilha, a relação com o filho, a ausência do pai e o que fazer para não se anular.

Podemos nos encontrar sozinhas na criação dos nossos filhos por diversos motivos. Porque somos mães solteiras, divorciadas ou viúvas. A coluna conta a história de Vivian, que com apenas dezesseis anos ficou grávida do namorado e hoje é mãe solteira da linda Lavínia, de um ano e sete meses. Ela teve o apoio da família, mas outras adolescentes não têm a mesma sorte. A dor de não poder compartilhar a gestação, seja nas mães adolescentes ou maduras – que optam por levar adiante uma gravidez sem pai – é a mesma. Além da mãe solteira, vamos falar da mulher que se separa depois de uma vida matrimonial e tem que aprender a virar a página e equilibrar o cotidiano ao lado dos filhos, sem a presença paterna diária. E das mães viúvas, que não escolheram seguir criando os filhos sós, mas também têm que superar o sofrimento da perda e encarar a nova condição.

Caminhos distintos, casos diferentes, mas a responsabilidade dobrada que cai sobre todas é a mesma. Elas têm em comum a missão de sustentar e educar o filho, dar amor e responder perguntas, como: “Tenho pai?” “Onde ele está?” Um assunto que muitas vezes ela mesma quer esquecer.

Vivian conta aqui sobre a surpresa de engravidar aos dezesseis anos e a difícil decisão de ter o bebê. Hoje, aos dezenove, ela é mais madura que as garotas da sua idade. E não se arrepende.

Filho não planejado

“Eu era uma adolescente encantada pela vida e sempre tive muito amor de meus pais. Aos quatorze anos comecei a namorar. Tinha certeza que nos amávamos, embora tivéssemos um namoro cheio de idas e vindas. Depois de dois anos e meio juntos fiquei grávida de um filho não planejado. Aos dezesseis anos os adolescentes acham que estão imunes a tudo. Fiquei muito confusa, desesperada, perdi meu chão, como se meu amanhã não existisse mais. Mas nunca pensei em aborto. Eu e o pai da minha filha não estávamos bem, e quando veio a noticia da gravidez já estávamos separados, mas conversamos e decidimos ficar novamente juntos. Ele estava desempregado. Foi difícil aceitar a nova situação, mas desde o inicio tive o apoio incondicional da minha mãe. Passaram dois meses e ele estava cada vez mais distante, parecia que eu era uma obrigação. Decidi que só iria casar depois do nascimento do bebê, para me dedicar ao enxoval da criança primeiro. Ele conseguiu um emprego, entrou para a faculdade, mas não sobraria dinheiro. Disse que era um momento inoportuno e me acusou de não dar força aos sonhos dele. Parecia que não tinha noção que seríamos pais. Ele me abandonou grávida de três meses. Quando estava me acostumando com a idéia de ter um filho, tive que me acostumar com a idéia de ter um filho sem pai. Senti-me incapaz e extremamente sensível. Chorava e me lamentava sempre que via um homem acariciando a barriga da esposa ou um pai brincando com um filho”.

Maternidade

“Minha mãe foi meu anjo da guarda. Aos quatro meses de gravidez ingressei na faculdade com bolsa integral, o que ajudou a manter minha cabeça ocupada. Percebi que tinha que reagir senão iria prejudicar também meu bebê, que dependia de mim e sentia todas as emoções que eu sentia. Vendi de tudo: chocolates, ovos de páscoa, bijuterias… Aos sete meses descobri que esperava uma menina e decidi que se chamaria Lavínia – que significa “A Purificada”. E ela nasceu – o bebê mais lindo do mundo. Quando vi aqueles olhinhos me encarando… Aquela criança indefesa e dependente, que precisava de mim para tudo. Foi um momento mágico, único. Ali, na sala de parto, com minha mãe ao meu lado, tive certeza de que tudo valeu a pena. Acabara de nascer minha razão de viver… Depois de seis meses sem qualquer contato com o pai dela; liguei para ele do hospital e perguntei se a registraria. Ele foi ao hospital e deu-lhe seu nome (a única coisa que lhe deu). Foram dias e noites difíceis (quem é mãe sabe o trabalho que um bebê dá). Ficava horas ao lado do berço observando cada traço da minha filha. Ela era minha maior companhia e precisava de uma mãe forte e que valesse em dobro, e não de uma mãe triste e depressiva. Não interrompi minha faculdade e isso me fez muito bem. Lavínia foi crescendo e se tornando uma criança adorável, alegre e muito amada. Mas, como todo bebê, gerando muitos gastos – o que é difícil de levar sozinha. Coloquei o pai dela na justiça e foi estipulado o valor da pensão alimentícia. Agora, ao menos uma vez ao mês ele lembrará que é pai. Perdi a bolsa e tive que trancar a faculdade. Fiquei triste, mas percebi que estava na hora de ir à luta. Comecei a trabalhar; fiz amigos, me senti útil, e percebi que tinha tido uma filha, mas continuava sendo mulher”.

Ausência do pai

“O pai dela já ficou até cinco meses sem dar um sinal de vida, nem uma ligação. Muitas vezes corri para o hospital com ela, na emergência, e ele nem ficou sabendo. Esse ano, por exemplo, passei a noite de meu aniversario com ela no hospital, mas nunca sozinha. Deus colocou na vida da minha filha vários pais que a amam e a socorrem sempre que preciso – todos os meus tios e primos são um pouco pais dela. Não há sinal de carinho da parte do pai. Eu me entristecia muito com o silencio dele, mas hoje penso que se ele aparecer bem, mas se não aparecer, não me decepciono mais. Lavínia é muito carinhosa e não suporta me ver triste. Me abraça e me beija; é uma criança cativante. Por outro lado, me questiono muito, pois sei que esta chegando à hora em que ela vai perguntar pelo pai. Já me desespero por antecipação. O que vou dizer a ela? Mas tenho certeza que na hora certa Deus vai me dar estrutura para não desaponta-lá”.

Futuro

“Lavínia hoje tem um ano e sete meses e é a minha razão de viver. Mas acho que as mães solteiras acabam se anulando muito por causa dos filhos. Não saio sem ela, não vou à praia ou ao cinema, não namoro. Meus programas mudaram para parquinhos e brinquedos. Às vezes esqueço que tenho 19 anos. Mas não me arrependo, pois sei que nesse momento de criação e de formação de personalidade ela precisa muito da minha figura presente. Adoro curtir cada segundo ao lado de minha linda. Todo o meu sacrifício vale a pena quando vejo um sorriso sapeca em seu rosto, quando dançamos alegremente ouvindo uma musica, quando ela anda de “bi-bi”, brinca com o “au-au”, dá tchau para o “piu-piu” e diz “mamãe”. São esses simples momentos com minha filha que me trazem prazer, inspiração, forças e esperança de um futuro melhor. Não temo o futuro, pelo contrario, o espero ansiosamente, pois sei que Deus nunca dá lutas que não possamos suportar, e foi Ele que me sustentou até hoje, e sei que agora só tenho frutos a colher. Sei que muitas noites em claro e choros ainda me esperam, mas também muitos sorrisos e alegrias. Tenho esperança em um futuro melhor para mim como mãe e como mulher e para minha princesa Lavínia.”

Palavra do especialista:

Márcia Fraga Sampaio – psicóloga do Hospital Memorial Faud Chidid, no Rio de Janeiro, e coordenadora do Centro de Pesquisa e Clínica Psicanalítica Laços.

Para começar, a terapeuta lembra que existem diferenças entre uma mãe solteira e uma mãe separada ou viúva: “Na primeira ela fez uma escolha de ter o bebê ainda que sozinha. Nas outras se imagina que tenha havido um projeto a dois de ter esse bebê e compartilhar o bônus e ônus desse empreendimento, mas… a vida impôs uma mudança nesse projeto. A coragem e a determinação é o ponto em comum entre todas, pois em algum momento é preciso respirar fundo… e encarar as responsabilidades”.

Para abordar o tema da forma mais abrangente possível, dividimos nossa conversa com a psicóloga, que analisou a importância do masculino e do feminino na vida de uma criança, as novas responsabilidades da mãe, como administrar o papel integral da criação e educação do filho e como administrar a ausência do pai. Tudo sem a mãe esquecer de si mesma.

Homem e mulher

“Um filho tem sempre um sentido diferente para a mulher do que para o homem. A realização de um filho é sempre maior para a mulher, até porque o “sonho de ser mãe” tem origem na fantasia infantil da menina de ter um bebê e isso é alimentado em seu psiquismo até a idade adulta e é reforçada pela cultura que enaltece a maternidade de forma romântica. Esse ponto fala mais alto na hora de assumir a responsabilidade de encarar uma gravidez sozinha. Para se ter um filho é preciso amadurecer e se tornar adulto definitivamente. Para o homem é mais fácil recuar, mas para a mulher mesmo pensar em desistir trará implicações para seu corpo e suas culpas. Para uma mulher decidir ter um filho, apesar de não poder contar com o pai, vai valer a pena ou não de acordo com o tamanho do seu desejo de ser mãe. É preciso coragem para assumir as responsabilidades sozinha ou mesmo contando apenas com alguma ajuda da família”.

Bônus e ônus

“Para assumir o papel de mãe são exigidas algumas renuncias de tempo e de vaidade, entre outras. É importante não abrir mão de sua profissão, de seus interesses, e “tentar” administrar tudo isso, pois assim a mãe mostrará ao seu filho que na vida é preciso ter ideais, profissão, amigos… um novo amor… e é possível que ele em algum momento comece até a participar de tudo isso. Mas para cuidar de um bebê, até que ele ganhe esta autonomia e permita a mãe uma maior liberdade, há um percurso em que dedicação e disponibilidade são exigidas”.

Produção independente

“Há mulheres que escolhem uma produção independente – diferente daquela que fica sozinha depois de estar grávida ou com um bebê. Se ela decide ter um filho dispensando a figura masculina pode ter em si a fantasia de ser uma mulher onipotente, a quem não falta nada e um companheiro não é necessário. É sempre melhor para a saúde psíquica de todos que esta fantasia seja frustrada e que seja sentida a falta de alguém do seu lado para dividir as preocupações e a educação de uma criança. É melhor para que a essa criança seja transmitida a idéia de que ninguém vive isolado, independente e onipotente”.

Masculino e feminino

“A idéia de “ser pai e mãe” tem lá suas ressalvas Uma mãe que se ressente por não ter seu companheiro ao seu tem em seu projeto reconstruir sua vida. Existem o masculino e o feminino e, de alguma forma, se precisam mutuamente. Mesmo num casal homossexual tem sempre alguém que fala mais firme e alguém mais doce e acolhedor. Alguém mais decidido, objetivo e alguém mais preocupado com o afeto e mais disponível para a maternidade. A figura masculina e a figura feminina são importantes e é importante que se tenha essa referência. Para educar um filho muitas vezes será preciso falar mais grosso, não recuar diante de um castigo prometido e sustentar tudo isso sozinha não é fácil. Uma mãe sozinha vai precisar dar o carinho e também ser dura, mas é importante não alimentar a fantasia de ocupar esse lugar de macho e fêmea ao mesmo tempo. Isso é difícil e pouco saudável”.

Cadê o pai?

“Todo mundo tem pai, e é preciso saber a historia do próprio pai. É uma pergunta sobre a sua própria origem. Se ele faleceu; de que faleceu? Se foi embora; para onde e por quê? Se não souber para onde ele foi, é melhor usar de sinceridade e falar sobre isso. Não permitir que seja um assunto tabu, um mistério que não possa ser conversado. No caso em que o pai se ausentou ou não quis assumir, é melhor dizer a verdade de alguma forma – mesmo que de forma cuidadosa, amenizada. A história de abandono e rejeição ao ser relatada para uma criança deve sempre ser suavizada, se depois de adulto a verdade vier à tona por outras fontes será menos cruel do que saber na infância. Se o pai tem características que não sejam dignas de orgulho, é importante não usar isso para jogar filho contra pai. É sempre importante respeitar a figura de um pai, mesmo com seus defeitos, pois dessa figura vai depender algumas características que essa criança poderá desenvolver. Os filhos podem desejar ser diferente do pai e da mãe, mas também podem querer ser parecidos… Até mesmo nos erros. Se um “defeito” do pai é ressaltado com veemência, o tiro pode acabar saindo pela culatra… E acabar incitando a criança a repetir sem perceber os mesmos equívocos desse pai tão depreciado pela mãe. Funciona mais ou menos como se ao ficar um pouco parecido com aquele que está ausente pudesse trazer de volta a sensação da sua presença. Isso acontece de forma inconsciente, não é proposital”.

Saudade

“A saudade de um pai falecido é diferente da saudade de um pai que abandonou. O pai que foi embora não quis ficar perto do seu filho, o falecido foi levado contra sua própria vontade. A rejeição de um pai que quis ir embora é maior. Cabe lembrar que um pai divorciado não necessariamente é um pai ausente. Pois se houver uma relação no mínimo civilizada será possível recorrer a ele em muitas situações”.

Caminhando

“Para lidar com tudo isso é importante que a mãe esteja de bem com sua própria história. Momentos de angustia são inevitáveis, mas se ela estiver certa, intimamente, dos motivos que a levaram as suas decisões fica mais fácil dar a volta por cima e seguir seu caminho. Responder a perguntas delicadas de um filho se torna menos difícil se ela estiver preparada para isso e tiver digerido bem os momentos difíceis vividos na separação”.

Todas conhecemos casos diversos de mães que se encontram na difícil missão de criar os filhos sozinhas. Mas vale lembrar que, em alguns casos, é o homem que precisa assumir só as responsabilidades diante dos filhos e aí, são eles que têm que se adaptar e se superar diante da dupla função.

Até porque, nós sabemos, não é fácil ser mãe.

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